"O orgulho vos induz a julga-vos mais do que sois;
a não suportardes uma comparação que vos possa rebaixar;
A vos considerardes, ao contrário, tão acima dos vossos irmãos,
quer em espírito, quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais,
o menor paralelo vos irrita e aborrece. Que sucede então?- Entregai-vos à cólera."
( O Evangelho Segundo o Espiritismo - cap IX - item 9 )
A comparação é um dos efeitos mais notáveis da presença do orgulho nas relações.
Desde as primeiras percepções infantis, o ato de comparar é uma necessidade para a aquisição da consciência. As referências paternas e maternas, inicialmente, e depois as sociais, são âncoras de desenvolvimento da personalidade. Nesse particular o afeto tem papel preponderante, porque conforme a qualidade dos sentimentos atribuídos a tudo aquilo que compõe as nossas experiências, teremos uma percepção, uma "representação psicológica" do mundo.
Quando espírito já renasce com acentuada percentagem moral de orgulho e ainda encontra um ambiente que estimula as ilusões mundanas, os fatos tomam o colorido desse sentimento, com fortes conotações de interesse pessoal.
Nos relacionamentos as comparações são muito utilizadas pelo orgulho com a finalidade de exacerbar seu conceito pessoal e rebaixar a importância dos demais. As comparações orgulhosas impedem relacionamentos gratificantes e duradouros, porque estabelecem uma competição íntima com os outros. O campo das suposições e da "imaginação fértil" alcança níveis enfermiços nesse particular. Vive-se mais o que se imagina que, propriamente, o que se sente. O homem aprende a cuidar da sua máscara com maior devoção que de sua realidade íntima.
O estresse é o resultado do escoamento energético que alimenta as criações e o mecanismo de defesa do orgulho.
A mídia desenvolve influente papel estimulando padrões.
O orgulho vai solidificando uma "imagem irreal" de si mesmo, mas que agrada os interesses pessoais dentro das perspectivas de suas comparações. Já não se trata mais de referências para crescimento e sim da "formação de uma identidade psicológica fragilizada", acessível a assimilar tudo que faça a pessoa sentir-se valorizada, importante, forte, capaz...
A ausência de contato com a vida interior profunda vai fortalecendo essa "segunda natureza" que passa a regulares mecanismos importantes da vida psíquica e mental.
O orgulho tem essa característica de fazer a criatura no que não é. Parafraseando o codificador, digamos que é a imperfeição que a criatura menos confessa a si própria,
Por isso tem a farta possibilidade de iludir, enganar.
A excessiva preocupação com a opinião a seu respeito é uma neurose nesse tipo de situação.
As referências elogiosas a quem quer que sejam, são recebidas com desdém ou inveja, utilizando-se da "encantada" conjunção gramatical - mas - que se transformou em senha elegante para depreciar o próximo em frases inteligentes do tipo "tal companheiro é muito virtuoso, mas..."
A necessidade de diminuir o valor dos esforços alheios é um vício de proporções extraordinárias, elaborando sempre uma versão dos êxitos alheios sob o prisma da "sorte" e das facilidades como explicações para ser tão bem sucedido. O orgulho não nos permite alegrar com o sucesso alheio e suplica galardões para os sucessos pessoais, sempre dimensionados como algo para além das suas reais expressões. Em muitas dessas comparações que fazemos no intuito de tirar o brio das ações alheias, no fundo gostaríamos de ser aquela pessoa, de possuir algo que ela tem ou ser algo que ela é.
Esse sentimento de excessivo valor pessoal retira quase por completo as possibilidades da empatia e da alteridade, criando um nível acentuado de indiferença. Essa condição impede a alegria e a autenticidade nas relações deixando-nos muitas vezes carcomidos de inveja, raiva ou emoções perante as vitórias do próximo.
Dando exagerada importância às comparações, o orgulhoso passa a ser um fiscal dos atos alheios, procurando motivos para realçar-se e firmar-se ante o próximo, a quem toma como um "oponente", ainda que não o seja, se essa criatura pensa ou age em desacordo com suas crenças e concepções. Seu campo mental funciona como um "radar" em busca de um deslize ou de um episódio que fragilize seu "opositor", e os julgamentos e reprimendas mentais comparecem inevitavelmente como um efeito dessa condição psíquica e emocional.
Tudo isso, porque o orgulho tem o poder de fazer-nos valorizar o que não somos, mas desejaríamos ser, levando a sentir e pensar que tudo que fazemos ou temos é melhor que o do outro.
Impermeabilidade é o que ocorre nesse quadro. Os relacionamentos com pessoas desse perfil tornam-se superficiais, elas não permitem que os outros penetrem sua intimidade verdadeira e revoltam se contra os que lhe exortam com proficiência à verdade sobre si mesmos, melindrando e reagindo com veemência.
Manter aparências é muito caro e doloroso. Até mesmo nos climas espíritas verificamos alta dose dessa vivência. Começa pelo personalismo em acreditar que o caminho que seguimos, a forma como trabalhamos, os movimentos que criamos, os pensamentos que defendemos, as tarefas que fundamos, os esforços que expendemos são "recordes" que nunca serão alcançados por ninguém e que devem ser seguidos por todos. Há um flagrante desrespeito pelas opiniões e iniciativas alheias, repleto de indiferença e despeito. Quando não se recebe com júbilo a cooperação dos companheiros junto à seara, estamos vibrando fora da atmosfera de fraternidade e solidariedade que propõe o Espiritismo.
A reeducação desse "estado moral de orgulho" vai exigir-nos alguns quesitos.
Uma decidida viagem interior é o ponto de partida. Olhar para si, entender-se, pesquisar com minúcia, paciência e perseverança as formas de expressar do orgulho. Ouve-se com freqüência nos meios doutrinários espíritas a manifestação verbal no estilo "nosso maior defeito é o orgulho e o egoísmo. disso já temos consciência"; propala-se com risos e mofa essa abordagem, no entanto, poucos são os que têm penetrado o mundo oculto das tendências e automatismos para conhecer a singularidade do seu orgulho. Não existem "dois orgulhos" iguais. Conquanto ele possa ser definido, de forma genérica, como um sentimento de superioridade, nada além disso é idêntico em se tratando de comparar a sua forma de manifestar em cada personalidade. Temos de convir que nem sempre essa frase rotineira de nosso meio significa consciência, não passando, em algumas ocasiões, de mero chavão que causa a breve sensação de autodomínio e sabedoria. Saber onde, como, e quando ocorrem às manifestações dessa imperfeição é um trabalho para séculos. O importante é começar já.
A partir dessa viagem íntima é imperiosa uma vigília incansável para estabelecer atitudes que correspondam realmente ao que sentimos e somos, sem partir para os extremos da falsa modéstia, da culpa e do pieguismo. Ser o que somos é o desafio, evitando seguir os ditames da imaginação que nos inclina a fugir da realidade; romper com máscaras e formalidades desnecessárias, vivendo com espontaneidade responsável. Os exercícios da empatia no ato de aprender a ouvir o outro e da alteridade no sentimento de respeitar as diferenças do outro serão pródigos no esmaecimento dos interesses personalistas. Nada nos impede de fazer as comparações a fim de tirar algum proveito ou entender melhor nossos sentimentos, todavia, sem ilusões...
A única comparação útil e proveitosa, sob a ótica do aprendizado espiritual, é aquela que fazemos conosco próprio, procurando sempre aferir se estamos hoje um pouco melhor em comparação ao ontem.
WANDERLEY S. DE OLIVEIRA PELO ESPIRITO ERMANCE DUFAUX
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2 comentários:
Esse Ernance Dufox é fantástico. Nos faz olhar para o nosso umbigo.
Verdade Tânia.
bjs
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